segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Regiões Culturais de um País de Escala Continental

Solicitamos ao Geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber que escrevesse um artigo para ser publicado no blog Geógrafos. Para nossa satisfação, ele nos respondeu enviando vários textos, fotos e artigos de sua autoria, elaborados desde 1946 até o ano de 2010. Desta forma, apresentamos o texto “Regiões Culturais de um País de Escala Continental”, texto inédito que compõe o livro que descreve a obra e a vida deste renomado cientista brasileiro.



Aziz Nacib Ab’Saber


            Uma busca velada para o reconhecimento de áreas culturais, em um país de escala continental, vem ocorrendo desde os meados do século. Não se pode negar, entretanto, que a efetiva identificação de regiões ou células culturais modernas, diferenciadas por critérios antropológico-culturais, vem sendo relegada ao improdutivo compartimento das tarefas para o futuro.
            Ao longo do tempo, desde o século XVI, sucederam-se experiências classificatórias, sob os mais diferentes critérios e exigências de modelos administrativos (...) E, mais recentemente, uma fértil classificação de domínios morfoclimáticos e fitogeográficos.
            Da genialidade de um Martius — como fruto maduro de suas viagens — ficou estabelecido em mapa o mosaico básico dos grandes domínios de natureza no Brasil (1858). Detalhamentos e acréscimos importantes foram produzidos por Saint Hilaire em suas numerosas viagens pelo interior do país. À primeira geração de viajantes naturalistas sucederam-se as observações pontuais de Darwin, as mal-sucedidas investigações de Louis de Agassiz, e as múltiplas e fragmentarias pesquisas de Hartt. Entrementes, a difusão dos conhecimentos pioneiros acumulados sobre os domínios de natureza foi quase zero, por quase um século. Pelo contrário, o conhecimento ficou circunscrito ao círculo restrito dos eruditos, através de uma consciência epidérmica e muito pouco criativa. Governantes, políticos e burocratas preferiram sintetizar o território total pela ótica do estadualismo e unidades administrativas. Quando muito se atreveram a falar no arquipélago brasileiro, centrando-se na ausência de integração das diferentes regiões humanizadas, relativamente separadas entre si, numa visualização puramente demográfico-social de uma certa época. Outros reduziram o tratamento do espaço total sob a simbólica e inútil designação de “dois Brasis”.
            No ensino, por um tempo que atinge até a década dos 40 do presente século, imperou uma vigorosa e improdutiva geografia descritiva, centrada em uma infindável nomenclatura de acidentes naturais, em divisões simplificadas e genéricas dos diferentes quadrantes do território. Quando não se fazia — ao não ser — uma divisão simplista e teimosamente tripartite dos planaltos e planícies do grande e mal conhecido país. De qualquer forma, nessa faixa dos domínios da natureza, foi lenta e sofrida a retomada dos conhecimentos pioneiros, iniciados pelos grandes viajantes e naturalistas do século passado. Todas as constituições brasileiras falaram apenas em uma divisão do espaço que comportava Estados, territórios e municípios. Enquanto a Constituição de 1988, ao intentar uma inovação, considerou como patrimônio nacional apenas a Amazônia, o Pantanal Mato-Grossense, as matas atlânticas e a Serra do Mar, numa prova de empirismo e falta total de responsabilidade intelectual e científica de toda uma geração de constituintes, provenientes de diferentes áreas do país.
            No vasto conjunto das Américas, entretanto, muito cedo se pode reconhecer áreas culturais de grupos étnicos e linguísticos primários, herdadas da Pré-História (...) Pesquisas linguísticas e culturológicas que envolveram cientistas alemães, franceses, norte e sul-americanos, incluindo numerosos brasileiros, nas ultimas décadas. Mas persiste o contraste entre o mapa das áreas culturais dos grupos humanos do passado em relação ao esperado mapeamento das áreas culturais modernas. As raízes dessa discrepância são múltiplas e até certo ponto justificáveis pelo fato de envolverem sérias questões têmporo-espaciais e de dinâmica populacional. É certo que em seu espaço total um pais das dimensões e ordem de complexidade como o Brasil apresentará mapas de áreas culturais bastante diferenciados entre si, no seu detalhamento regional e sub-regional. Ninguém se lembrou que ao sabor amargo do subdesenvolvimento e das sucessivas correntes de migrações internas, e injeções de grandes contingentes de imigrantes procedentes das mais variadas regiões do mundo, tudo se complica para a tarefa de elaboração do quadro das áreas culturais modernas. Na ausência desses quadros de referencia temos que realizar um desesperado esforço de recomposição dos cenários perdidos, levando em conta os momentos que precedem de imediato as grandes rupturas, responsáveis por modificações e aceleração de processos diferenciadores.
            Uma outra abordagem disponível é aquela introduzida por Bernard Kayser, referente as divisões dos espaços geográficos e econômicos dos países subdesenvolvidos. Na base de critérios múltiplos, o grande geógrafo de Toulouse reconheceu nos países do Terceiro Mundo — e, sobretudo, naqueles dotados de grandes espaços geográficos — uma serie de tipos de regiões, dotadas de características e problemas bastante diferentes. Baseado em seus conhecimentos sobre diversos países sujeitos a um desenvolvimento desigual, Kayser reconheceu regiões indiferenciadas, regiões submetidas a planejamentos revitalizadores, regiões de especulação agrícola, bacias urbanas e regiões de organização complexa, ditas auto-organizadas. Trata-se de uma tipologia genérica de especialização que, sujeita a algumas modificações e adaptações, pode ajudar em muito o entendimento das funções, jogo de infra-estruturas e problemas sociais, econômicos e ambientais do conjunto dos setores que compõem os países subdesenvolvidos. Um classificação que de resto possui um grande potencial de aplicabilidade a um país com as características do Brasil.
Pirangi - Quixadá, foto de Aziz Ab'Saber.

Vale do Poti entre Crateús e Oiticica, foto de Aziz Ab'Saber.

O Jaguaribe em Iguatu, foto de Aziz Ab'Saber.

Inselbergs de Quixadá, foto de Aziz Ab'Saber.




Nenhum comentário:

Postar um comentário