domingo, 27 de março de 2016

Cratera guarda a memória de impacto de corpo celeste na periferia de São Paulo

José Tadeu Arantes  |  Agência FAPESP* – Uma grande cratera, produzida pelo impacto de um objeto celeste, estende-se por uma área de 10,2 quilômetros quadrados na periferia do município de São Paulo. A formação geológica, denominada cratera de Colônia, situa-se a menos de 40 quilômetros do marco central da cidade, a Praça da Sé, na orla sudoeste da bacia hidrográfica Billings.

Com o interior atulhado por sedimentos e a borda coberta pela vegetação, a cratera permaneceu ignorada até o início da década de 1960, quando as fotos aéreas e depois as imagens de satélite puseram em evidência sua forma circular característica. A primeira referência na literatura especializada data de 1961, com a publicação, no Boletim da Sociedade Brasileira de Geologia, do artigo “Estudos preliminares de uma depressão circular na região de Colônia: Santo Amaro, São Paulo”, assinado pelos professores Rudolph Kollert, Alfredo Björnberg e André Davino, da Universidade de São Paulo (USP).


Mas, como estruturas circulares podem resultar de outros fatores, como o vulcanismo, por exemplo, persistiu por muito tempo a dúvida sobre se a cratera de Colônia havia sido realmente criada pelo choque de um corpo extraterrestre. Apenas em 2013, graças a uma pesquisa conduzida pelo geólogo Victor Velázquez Fernandez, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), foram finalmente reunidas as evidências que comprovaram a hipótese do impacto. O estudo, que prosseguiu até 2015, teve o apoio da FAPESP: “Cadastramento dos elementos geológicos e geomorfológicos da cratera de Colônia para estabelecer uma estratégia de gestão e preservação ambiental”.

Artigo relatando as evidências foi publicado por Velázquez e colaboradores no International Journal of Geosciences: “Evidence of Shock Metamorphism Effects in Allochthonous Breccia Deposits from the Colônia Crater, São Paulo, Brazil”.
Artigos posteriores do pesquisador enfatizaram também outro aspecto do tema, que é a caracterização dessa formação geológica como patrimônio natural e área a ser protegida e conservada: “The Colônia Impact Crater: Geological Heritage and Natural Patrimony in the Southern Metropolitan Region of São Paulo, Brazil” e “The Current Situation of Protection and Conservation of the Colônia Impact Crater, São Paulo, Brazil”.

“O impacto produziu um buraco de 3,6 quilômetros de diâmetro, com cerca de 300 metros de profundidade e uma borda soerguida de 120 metros”, disse Velázquez à Agência FAPESP. “Mas, ao longo do tempo, e devido ao intenso processo de intemperismo característico do território brasileiro, esse buraco foi inteiramente preenchido por sedimentos e coberto pela vegetação, resultando em uma área plana circundada por colinas. Foi uma evolução muito diferente daquela ocorrida, por exemplo, na Cratera Barringer, no Arizona, Estados Unidos, onde a estrutura geológica ficou praticamente intacta devido ao ambiente desértico.”



“No caso de Colônia, a forma circular perfeita, registrada nas fotografias aéreas, constituía forte indício de uma estrutura de impacto, formada pela colisão de um cometa ou asteroide na superfície terrestre. Mas não era, por si só, um dado suficiente para confirmá-la. Por isso, tivemos que partir para o estudo petrográfico, com a análise microscópica dos sedimentos”, prosseguiu o pesquisador.

Segundo Velázquez, a coleta de material tornou-se possível devido a sondagens realizadas na região para fornecimento de água potável. As perfurações, realizadas na área sedimentar, chegaram a 300 metros de profundidade, até encontrar a rocha dura. Devido a uma cooperação então existente entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a EACH-USP, amostras de sedimentos, colhidas metro a metro, foram fornecidas à universidade para estudo.

“Nas amostras coletadas, encontramos várias evidências. Uma delas, bastante forte, foi a evidência de transformação de vários minerais, em particular, quartzo e zircão. Para a transformação desses minerais é necessária uma pressão superior a 40 quilobars [40 mil vezes a pressão atmosférica padrão] e uma temperatura da ordem de 5 mil graus Celsius. Esses patamares de pressão e temperatura são característicos da potente liberação de energia resultante do impacto na superfície terrestre de um objeto proveniente do espaço interplanetário”, informou o pesquisador.

Com esta e outras evidências do mesmo naipe, a hipótese do impacto foi demonstrada. E a cratera de Colônia encontra-se, agora, devidamente inventariada na Earth Impact Database (EID), uma base de dados internacional mantida pelo Planetary and Space Science Centre (PASSC), instalado na University of New Brunswick, Canadá. A EID contém a relação completa das 188 estruturas de impacto confirmadas em todo o mundo.



Monumento Geológico
Os estudiosos ainda não sabem que tipo de objeto provocou o impacto, se um corpo rochoso ou metálico, como o de um asteroide, ou um corpo constituído por gelo, como o de um cometa. “Mas há, atualmente, 50 novas amostras em estudo no Canadá, que poderão fornecer os dados que faltam para a determinação do objeto impactante”, afirmou Velázquez.

Outra expectativa é que a investigação ainda em curso possibilite estabelecer com maior exatidão a data do evento. Por enquanto, a data estimada é bastante imprecisa, situando-se em um intervalo de 5 milhões a 36 milhões de anos no passado. “A importância de melhorarmos substancialmente a datação é que isso criará condições para um estudo paleoclimático com base nos sedimentos encontrados. Analisando, centímetro por centímetro, a composição da coluna de sedimentos, desde a profundidade de 300 metros (correspondente à data do impacto) até o nível da superfície (correspondente à data atual), será possível compor um quadro bastante expressivo da evolução do clima na América do Sul e, por extensão, no mundo”, explicou o pesquisador.

Por isso, a cratera de Colônia possui, do ponto de vista científico, uma importância inestimável. Mas, para que seu potencial se efetive, é preciso que o patrimônio seja preservado e adequadamente manejado. A formação foi declarada “Monumento Geológico” pelo Conselho Estadual de Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo (CoMGeo-SP) em 2009. Porém, quando isso ocorreu, parte da área já se achava ocupada.

“Há, na borda norte, uma ocupação menor e bastante antiga, promovida por colonos alemães que chegaram à região por volta de 1840. Devido a ela, a área recebeu inicialmente o nome de ‘Colônia Alemã’, denominação que mudou para apenas ‘Colônia’ durante a Segunda Guerra Mundial. Mas há também uma ocupação mais recente, bem maior e desordenada, ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, que deu origem ao bairro de Vargem Grande, atualmente com cerca de 47 mil habitantes”, disse Velázquez.

Com habitações precárias e grande carência de equipamentos urbanos, Vargem Grande [não confundir com Vargem Grande Paulista, que é um município da Região Metropolitana de São Paulo, nem com Vargem Grande do Sul, que é um município da Mesorregião de Campinas, no Estado de São Paulo] possui as mazelas características de vários bairros periféricos das grandes metrópoles brasileiras. Como o lençol freático é muito aflorado, devido à estrutura sedimentar do terreno, os moradores não têm sequer a opção de cavar fossas sépticas, de modo que os esgotos fluem a céu aberto.

“Em contraste com a borda norte, a borda sul é ocupada por sítios cujos proprietários se dedicam à permacultura [agricultura ecológica]. Isso é muito interessante, porque são pessoas engajadas na preservação do meio ambiente. Existem ali matas densas, com trilhas muito aprazíveis”, relatou o pesquisador.

A preocupação em conservar o patrimônio geológico levou Velázquez e seus colaboradores a incorporar ao projeto de pesquisa tópicos relativos à preservação ambiental e à gestão da área.
“Com foco na preservação, estamos atuando em três frentes distintas. Primeiro, na criação de um site, abrigado no portal da USP, que possibilite a visitação virtual da cratera, com acesso diferenciado para pesquisadores, estudantes e público em geral. Segundo, na produção de um gibi em branco e preto, para ser distribuído nas escolas de primeiro grau de Vargem Grande e colorido pelos alunos, de forma que estes se sintam responsáveis pela área e se empenhem em sua conservação. Terceiro, no trabalho de campo em educação ambiental e turismo ecológico”, detalhou.

Velázquez estuda regularmente a região desde 2005. E disse que, ao longo destes 11 anos, testemunhou uma lenta mas consistente tomada de consciência da população local quanto à importância de preservar a formação geológica. “Construímos uma boa interlocução com as associações de moradores, que estão atualmente empenhadas em iniciativas como o Movimento Cratera Limpa”, afirmou.
Das 188 crateras de impacto catalogadas pela EID, existem apenas duas habitadas: Colônia, no Brasil, e Ries, na Alemanha. Diferentemente do que ocorreu aqui, porém, Ries, cujos primeiros vestígios de assentamentos humanos remontam ao período paleolítico, foi objeto de um criterioso manejo. Em torno da cratera, de 24 quilômetros de diâmetro, estende-se o primeiro geoparque da Bavária, com 1.800 quilômetros quadrados de área.

*Matéria publicada originalmente em 22 de março de 2016 no sítio: http://agencia.fapesp.br/cratera_guarda_a_memoria_de_impacto_de_corpo_celeste_na_periferia_de_sao_paulo/22887/

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

2016, El Niño e mudanças climáticas: O que esperar dessa combinação?

Laís Carla da Silva Barbiero*

Em um artigo antigo, abordei a temática dos registros apontados pela ONU (Organização das Nações Unidas) e OMM (Organização Meteorológica Mundial) que, naquela ocasião, apontavam o ano de 2014 como o mais quente da história da Terra, desde que se tem registro das temperaturas do planeta.
No entanto, três agências governamentais dos EUA e Reino Unido, de forma independente e com métodos distintos de medições, anunciaram ontem (20/01/2016) o que já se esperava: 2015 foi ainda mais quente, ficando com 0,13°C acima de 2014 e 1°C acima da temperatura da Terra pré-industrial. O mais impressionante, é pensar que mesmo que o final de 2015 tenha sido influenciado pelo El Niño, a maior parte dos meses deste ano estiveram em situação “normal” no que se refere ao mencionado fenômeno. Isto leva a crer 2016 – ano em que o fenômeno estará em seu auge – será marcado por eventos extremos de calor, estiagem brusca em alguns lugares, tempestades e chuvas acima da média em outros e as consequências das mudanças climáticas sendo sentidas em todo mundo somadas a isso.
A imagem abaixo é um gráfico que representa o ano de 2015 (linha negra, acima de todas as outras), em comparação com outros seis anos em que as temperaturas foram as mais elevadas desde 1880. Nota-se que todos os recordes de temperaturas foram registrados a partir de 1998, na ocasião de um El Niño que até então era considerado o mais intenso já identificado. E, de todos os anos citados, somente 2013, 2014 tiveram temperaturas elevadas dissociadas do fenômeno natural de aquecimento do Pacífico.


Mas, afinal o que é o El Niño?
O El Niño é um fenômeno natural que ocorre em ciclos irregulares num período de 2 a 7 anos e se caracteriza pelo aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico Equatorial Oriental e Central, principalmente na região da costa do Peru e Chile, onde se originou seu nome. Nestes locais, a mudança de temperatura na superfície do oceano é causadora da diminuição dos peixes e de excessos de chuvas no mês de dezembro, sendo que o nome “niño” (que significa menino, em espanhol) refere-se ao menino Jesus e a época do Natal quando ocorrem.
Segundo o SIMEPAR, um El Niño clássico tem tempo de duração de aproximadamente 12 meses – do aquecimento ao resfriamento, com início nos meses iniciais do primeiro ano e com máxima intensidade no final do ano a janeiro do ano subsequente. A questão principal deste fenômeno é que o aquecimento maior das águas causa também uma maior evaporação das mesmas e, consequente aumento de formações de nuvens. Portanto, a influência do El Niño no clima global, deve-se às mudanças no padrão dos ventos, pressão e da formação de massas de ar no planeta, que é atingido de forma distinta em cada região.

O que o El Niño 2016 tem de especial?

Este fenômeno, que teve seus primeiros sinais no final do ano de 2015, já está sendo considerado pelos pesquisadores como potencial causador de eventos extremos como nunca vistos antes. Isto porque os padrões observados já se assemelham muito com aquele ocorrido em 1998 (que como já foi dito era considerado o mais intenso), com o agravante de estar associado com mudanças climáticas significativas, sentidas com mais intensidade nos últimos anos.
temperatura global 2
Comparando os anos de 1997 e 2015, num mesmo período e sob as mesmas condições de medição, temos que a semelhança entre ambos é visível. A imagem acima mostra o oceano no mês de julho, geralmente o mês em que as águas começam seu aquecimento anômalo, representado no mapa pela variação de cores, sendo que quanto mais vermelho, mais quente se encontra a superfície das águas.

Tomando isso como base e a grande quantidade de estudos que foram realizadas desde então, entende-se que este El Niño já pode ser considerado o mais intenso registrado, mesmo sem se somar com as mudanças climáticas que o planeta vem sofrendo. Agora, se considerarmos estas mudanças, temos previsões de eventos extremos, os quais muitos países ainda não estão preparados para suportar.


Observando a imagem acima, dá para ter uma ligeira ideia sobre as consequências que um El Niño de forte intensidade pode causar. No final de 1997 e 1998, tivemos no Brasil uma intensa seca na Amazônia que aumentou significativamente as queimadas, o Nordeste passou por uma das piores estiagens, enquanto que no Sul as chuvas ficaram acima da média, causando tempestades e enchentes. No mundo inteiro já se sentem seus efeitos. De acordo com o Jornal Econômico Digital “A Indonésia, por exemplo, vive um ano de seca, na Índia, a monção esteve 15% abaixo do normal; na América Central, são esperadas mais inundações. A devastação climatérica tem como consequência direta a subida dos preços dos alimentos e, no fim da linha, a fome”. Já são mais de 30 milhões afetados somente na África, numa seca declarada como a pior dos últimos 50 anos. No último fim de semana os EUA viveram uma das piores nevascas da história com ao menos 25 mortes relacionadas.
Para concluir o entendimento de toda essa história sobre o El Niño e as mudanças climáticas é preciso ter em mente que os fenômenos são diferentes em cada parte do globo e o que caracteriza tais mudanças são situações de EXTREMOS e não apenas sua ocasião. Ondas de calor cada vez mais frequentes ou nevascas de grande intensidade, períodos de chuvas acima da média ou estiagem por um tempo muito maior do que o normal, tornados se formando em locais onde não se registrava, furacões tomando forma no oceano com proporções gigantescas, tudo isso e mais.


* Geógrafa, especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, com área de estudo voltada para a Mobilidade urbana e meios de transporte alternativos. Atua como Consultora Ambiental, dando suporte também em topografia, geoprocessamento, georreferenciamento rural entre outros.